LUANDINO - O LIVRO DOS GUERRILHEIROS
Entanto que ex-guerrilheiro, eu, Diamantino Kinhoka, ainda com a autorização que sempre a amizade e camaradagem aceitam, sendo quissoco nosso o da luta de libertação, não reinvindico licença de mentir. Ainda mesmo companheiros de luta, compatriotas nados e crescidos nas mesmas sanzalas, próprias ou alheias de outra região - isto é: lá onde lhes nasceram seus entespassados - não aceito crítica por adiantar
contar os seus feitos, sucedos e vidas, e mortes, quando lhes tiveram já.
Escrevo assim, porque na terra que nos nasceu, muitos séculos e tradição e lutas dão de gerar conformidade entre nosso entendimento das coisas e as próprias coisas dela, sejam vivas sejam mortas.
Então, tendo que contar essas algumas coisas nossas, ou por gabo ou por maldizença, nunca lhes poderia directamente contar. Porque, se dou gabo, sempre tem quem vai duvidar que foi mais do que poderia ser; se dou maldizer, sendo eu próprio ex-guerrilheiro, que são invejias do feito e vivido nos outros alheios.
E também outrossim, porque é dos livros da memória e tradição no nosso povo que aquele com quem tens de comer as folhas do macunde na tribulação, tem de ser aquele que repartes com ele o feijão na abundância. Daí que a verdade de suas vidas sempre não é possível de escrever, ainda que desejada; mas, menos ainda, desejada se possível. A gente fizemos a revolução, nossas memórias têm o sangue do tempo.
Se os verdadeiros escritores da nossa terra exigirem a certidão da história na pauta destas mortes, sempre lhes dou aviso que a verdade não dá se encontro em balcão de cartório notarial ou decreto do governo, cadavez apenas nas estórias que contamos uns nos outros, enquanto esperamos nossa vez na fila de dar baixa de nossas pequenas vidas.
Quero então com-licença apenas para a formosura destas vidas; a das minhas palavras é muito duvidosa. E mesmo que não fosse, mesmo assim nunca ia bastar para ordenar a verdade
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