quarta-feira, 1 de abril de 2020

GUERREIROS E HERÓIS


GUERREIROS E HERÓIS

Está na moda.

Agora todos os dias batem palmas ao fim da tarde, todos se apressam nas malditas redes sociais a dar a sua opinião sobre guerreiros e heróis, todos os líderes políticos apanham este barco, todo o mundo aproveita para dizer o quão gratos estão ao pessoal da saúde.
Para uns é evidente a procura de dividendos actuais e futuros. Para outros basta a notoriedade fugaz nas notícias, e poderem dizer daqui a uns anos que estiveram nesta luta, como se tivessem ido a uma qualquer guerra.

Mas afinal onde esteve esta gentinha toda, nos últimos quinze anos?
Eu sou médico, fiz a minha carreira toda nos Hospitais da Universidade de Coimbra, e não me lembro de alguma vez o povo português ter dito bem do seu sistema de saúde. Também não me lembro de ver ninguém defender o SNS, enquanto ele laboriosamente e encapotadamente foi sendo destruído ao longo dos anos. E na verdade, os únicos resistentes foram mesmo os profissionais no terreno. Essa sim, tem sido uma guerra sem benefícios próprios, em nome do povo português que somos todos nós, sempre, e não apenas quando nos convém.

Parem de nos chamar heróis. Lembrem-se que até muito recentemente nós eramos na vossa boca uma classe cheia de privilégios, que auferia ordenados milionários e que estava acima da lei. Tenham vergonha do que estão a fazer.
Os médicos e restante pessoal da saúde não precisam de incentivos para dar o seu melhor, não apenas agora mas sempre. Apenas necessitam que os respeitem como a qualquer outro profissional e que os deixem em paz para fazer o que tem de ser feito.

Os mesmos jornalistas que hoje cantam hinos a esta classe, serão os mesmos que depois virão à procura de assassinar qualquer médico que por qualquer razão se torne visível.
Basta olhar para a pobreza do jornalismo existente nas conferências de imprensa com o pessoal da saúde. Pobre demais ver estes jornalistas bacocos que foram ensinados a procurar a árvore em vez da floresta. É pobre que a notícia tenha de ser, a Directora Geral de Saúde a levantar-se e a morder um jornalista. Eu já o teria feito.

O corona vírus como qualquer guerra traz à tona o melhor e o pior do ser humano, e o que temos visto à exaustão, porque este jornalismo actual, todas as “fake news”, todas as redes sociais são propícias a isso, é verdadeiramente o pior de todos nós.
Atenção “jornalistas”. Vem aí uma janela de oportunidade pós corona vírus, e pressinto que os governos todos e o nosso em particular estarão já atentos e nervosos. Nada mais será como dantes, e creio que pela primeira vez, a classe médica irá impor as regras de funcionamento e não se deixará mais dominar por aqueles que nada percebem de saúde e cuja visão apenas assenta em números e contas de somar ou de sumir.

Finalmente, perdoem-me os verdadeiros jornalistas e toda a gente de boa vontade, mas estou seguro que sabem que estas palavras de desencanto não lhes são dirigidas.

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